sábado, 16 de abril de 2011

Entrelinhas da Vida - Capítulo 1 (cont.) - A História da Orquídea

     Algumas horas antes da orquídea ir parar às mãos de May...
  
     Duarte olhou pela janela e viu o primo sair para a rua. Aproveitando aquela manhã de sol, Xavier não pegou no carro mas foi a pé até ao centro da cidade, onde haveria uma grande feira naquele dia. Duarte esperou que o primo se afastasse um bocado, depois pegou no casaco e desceu as escadas a correr para seguí-lo de longe.
     Já havia algumas pessoas lá, principalmente aquelas que queriam ser os primeiros a ver tudo o que a feira tinha a oferecer e Xavier também era um desses. Entretanto, Duarte chegou à feira e começou a passear entre as barracas quando sentiu uma mão a bater-lhe no ombro. Virou-se e com um ar surpreendido disse a Xavier:
     - Primo, também vieste ver a feira? Pensei que ias encontrar-te com uma rapariga, e como não me apeteceu ficar sozinho em casa, decidi vir ver a feira.
     - Haha, nada mau, nada mau... Eu sabia que irias seguir-me. Bem, eu vou encontrar-me com alguém, ou pelo menos tentar, onde não me vais seguir, mas achas mesmo que eu iria de mãos vazias?
     - Então até já dão presentes um ao outro... Parece que as coisas estão a correr bem.
     - Sim, se não contarmos com o facto dela nunca ter falado comigo... Anda escolher um presente comigo.
     - A que horas é esse encontro?
     - Não tenho horas.
     - Então podemos ir à barraca das apostas e ganhar dinheiro para comprar o melhor presente da feira, que tal?
     - Não. Vamos comprar logo o melhor presente, sem apostas.
     - Tás a pensar em comprar o quê?
     - Provavelmente uma flor...
    - Uma flor?! Uma flor vai ser o melhor presente? - Duarte não conseguiu esconder a decepção.
     - Tudo depende da flor.
     - Tu é que és o mestre. - Duarte seguiu Xavier, olhando sem pachorra para a banca enorme cheia das mais variadas flores. E como Xavier levava tanto tempo a escolher, Duarte sentou-se no banco e começou a olhar para as pessoas que andam por ali... A barraca mais próxima era de pinturas e um pouco afastada, uma jovem desenhava numa tela a cara de alguém a partir de uma foto. Duarte que se interessava bem mais por pintura do que por flores, aproximou-se da barraca observando as exposições e também a rapariga que pintava na entrada. Um homem com cara demasiado antipática para atender as pessoas, pensou Duarte, estava dentro da barraca a controlar os quadros. Ao ver Duarte, disse para a rapariga que estava pintando:
     - Anny, anda mostrar os quadros a este cliente.
     - Oh, pode continuar a pintar, vim só dar uma vista de olhos enquanto espero que meu primo escolha uma flor para oferecer. E parece que vai lá ficar uma hora...
     - Esta barraca é para vender quadros, não para mostrar quadros. - respondeu o homem sem sorrir enquanto ia para o fundo da barraca arrumar coisas. 
     Duarte afastou-se e ao passar por Anny disse baixinho:
     - Boa sorte em tentar vender alguma coisa. Seria melhor se fosse atender os clientes em vez dele...
    - Eu sei... Mas não posso fazer nada, trabalho para ele. Então teu primo não sabe que flor escolher? Orquídeas são sempre bonitas...
     - Obrigado, vou dizer-lhe. Então vais ficar aqui o dia todo a pintar?
     - Provavelmente.
     - O quadro dela ainda não está pronto e já tem dono. - disse o homem antipático ao ver que Duarte ainda não se tinha ido embora.
     Duarte olhou com pena para Anny e esta encolheu os ombros com expressão: "não faz mal".
     - Compra uma orquídea. - disse ao aproximar-se de Xavier, no entanto, este já estava com um vaso na mão com uma orquídea.
     - Pensava que ias comprar um ramo, não um planta.
     - Os ramos secam, a planta dura. E como não sei se ela gosta realmente de orquídeas, este vaso é uma obra de arte feita a mão, é provável que goste dele. Eu vou-me andando ficas por cá ou vais para casa?
     - Se calhar ainda fico por cá um bocado... Depois contas-me tudo, certo?
    - Vou pensar no assunto.
     Duarte ficou a ver o primo afastar-se com o vaso nas mãos, o que lhe deu vontade de rir. Olhou para Anny que continuava a pintar na tela, pensando se devia ou não comprar alguma coisa, mas depois lembrou-se que não tinha dinheiro e afastou-se.
     Xavier apressou o passo e caminhou por aquela rua já conhecida até a janela de uma casa. No entanto a janela estava fechada e ninguém cantava do outro lado. Dando a volta, tocou à campainha.
     May parou com as limpezas perguntando-se quem seria, não poderia ser a Sue ainda. Ao abrir a porta deparou-se com um homem que não conhecia com uma orquídea num vaso, na mão.
     - Bom dia,  passei por cá a semana passada num dia de chuva e ouvi-te cantar ao pé da janela... A verdade é que aquele foi um dia mau para mim e depois de ouvir-te cantar fiquei a sentir-me melhor e queria agradecer por isso, e penso que esta flor até ficaria bem no parapeito da janela... - disse Xavier com um sorriso meio embaraçado.
     - Deves estar a falar da minha irmã, ela é que vive aqui, só vim passar cá uns dias com ela.
     - Oh desculpa, pensei que fosses mesmo ela, à primeira vista são bastante parecidas...
     - É, dizem que sim.
     - Será que lhe podias dizer que lhe mandei isto? Já agora, chamo-me Xavier.
     - Uma orquídea do Xavier. Será entregue.
     - Obrigado e desculpa o incómodo...
     Xavier afastou-se da casa, afinal as coisas não tinham corrido bem como ele havia imaginado, mas o principal estava feito. E ao dar a volta viu o vaso no parapeito da janela.
   
(continua...)

domingo, 3 de abril de 2011

Entrelinhas da Vida - Capítulo 1 (cont.) - Desejo de Criança

     As pessoas aproveitavam o belo dia para passear, fazer compras, arejar e apanhar um pouco de sol. Estávamos  no início da Primavera, e Maggie descia a rua para o centro da cidade, conversando alegremente com a avó que decidira acompanhá-la.
    A avó olhava para a sua neta já tão crescida e lembrou-se de um acontecimento passado já há muito tempo, quando Maggie ainda nem tinha 3 anos. Numa certa tarde de Verão, passeavam ambas à beira rio, Maggie toda fofa com os seus ténis novos, e com a expectativa do gelado que receberia em breve quando chegassem à barraca. As esplanadas estavam cheias de gente, e no entanto tudo parecia envolto numa estranha solidão... Os músicos tocavam na rua e Maggie parava cada vez que via um e ficava a ouvir até a avó insistir para continuarem.
     Finalmente chegaram à barraquinha dos gelados e Maggie recebeu o seu prometido gelado. Estavam muitas pessoas na fila e ela afastou-se um pouco de sua avó que ficara a comprar o seu. Num banco, sentada sozinha, uma jovem chorava. Maggie aproximou-se dela e perguntou, tocando-lhe de leve para chamar a sua atenção:
     - Porque choras?
     A jovem mulher, nem se deu conta daquela criança que chamava por ela, mas depois viu-a e respondeu-lhe depois de pensar um pouco:
    - Alguém decidiu acabar com o meu sonho... Ou se calhar nem todos os sonhos são para serem concretizados...
     - Não fiques triste... Queres um gelado? Quando tou triste e como gelado fico sempre melhor.- disse a pequena  Maggie estendendo-lhe o seu.
     A jovem ficou a olhar para aquela menina tão pequena e ao mesmo tempo tão grande sem deixar de sorrir.
     - Obrigada, mas fica tu com ele.- respondeu, passando a mão num gesto carinhoso pelo cabelo de um loiro quase branco de Maggie.
     Entretanto a avó que vira tudo, chegou e levou Maggie consigo, explicando-lhe mais uma vez que não se falava com estranhos no caminho.
     De volta a caminho de casa, Maggie estava estranhamente calada. E depois disse, com toda a seriedade que uma criança de 3 anos poderia ter, aquela frase que sua avó se lembraria por muito, muito tempo:
     - Quando eu for grande quero ajudar pelo menos uma pessoa a realizar o seu sonho.


(continua...)