quarta-feira, 7 de março de 2012

Entrelinhas da Vida - Capítulo 5 - Palavras sem voz

     Existem muitas pessoas na nossa vida que amamos. Temos o nosso grupo de amigos, a nossa família e sentimo-nos preenchidos, sentimos que não precisamos de mais ninguém para sermos felizes. E no entanto, é incrível como o nosso coração tem lugar para tanta gente. E sempre há a porta aberta à espera de mais alguém para entrar. Pelo menos era assim no caso de Anny. Fazer novas amizades, conhecer novas pessoas, novas personalidades, era algo que ela gostava imenso. 
     No entanto, por vezes conhecemos pessoas que desejaríamos nunca ter conhecido. Talvez porque são do tipo de pessoa que não suportamos ou talvez apenas a tenhamos conhecido em circunstâncias erradas.
     Naquele dia, um dia como outro qualquer, com a única diferença de que Anny acordara extremamente mal disposta, sem vontade nenhuma para nada, o céu estava de um estranho cinzento e coberto de nuvens que não deixavam adivinhar se vinha chuva ou sol...
     O dia começara mal e pelos vistos iria acabar da mesma maneira, primeiro Anny teve de se levantar demasiado cedo para aturar o chefe, a torneira da casa de banho não parava de pingar e ela ainda não arranjara tempo de a consertar, as paredes do corredor precisavam urgentemente de uma pintura por causa da humidade e estava um frio desagradável. Ao sair de casa ia entalando a gata na porta, sem querer, e ela fugiu a miar assustada. As escadas estavam um pouco cobertas de musgo e Anny escorregou os últimos dois degraus no exacto momento em que duas senhoras de idade passavam pelo caminho. As calças ficaram com marca verde num dos lados mas Anny  não tinha vontade de voltar para mudar de roupa, já que estava ligeiramente atrasada, e atraso era algo que o chefe não aturava de forma alguma.
     O chefe estava mal disposto e chateava-se por cada pequeno pormenor o que deixou Anny ainda mais mal humorada. Era sem dúvida um dia para esquecer.
     Mas, a gota de água veio no final do dia. O céu continuava cinzento, sem chuva, sem sol, chuva que poderia vir a qualquer momento e sol que poderia aparecer a qualquer momento. Anny saiu do trabalho quase uma hora e meia depois do suposto, o que não ajudava nada em melhorar o dia, pensou na torneira por arranjar, ainda tinha de ir ás compras se quisesse algo para o jantar, e estava um frio ainda mais desagradável do que de manhã. Anny andou apressadamente, primeiro pela rua quase deserta, depois por meio de uma multidão de gente, depois novamente por uma rua quase deserta e quando estava quase a chegar a casa, ao virar da esquina um jovem vinha a correr do outro lado e bateu em cheio nela. A mala voou e como o fecho estava meio aberto as coisas espalharam-se pelo chão e Anny teria o mesmo fim não tivesse ele agarrado o braço dela segurando-a de modo que ela conseguisse voltar a ganhar o equilíbrio. Aliás, segurou-a com tanta força que até magoou. Depois abaixaram-se ao mesmo tempo para ajuntar o material caído e deram uma cabeçada um no outro. Anny estava super desconcentrada e irritada, pela influência daquele dia e por tudo que lhe corria mal e disse sem esconder as suas emoções:
     - Tenha mais cuidado.
     O pior de tudo é que o jovem nem se deu ao trabalho de pedir desculpa, apenas olhou também desconcertado para ela e levantou as mãos num gesto de: a culpa não foi minha...
     Idiota. Anny meteu tudo na mala apressadamente mas teve de voltar a tirar e meter de novo direito para caber tudo. O jovem continuava a olhar para ela, ao menos fosse embora.
     Alguns segundos depois Anny continuou o seu caminho e só reparou que o jovem a seguia quando este lhe tocou de leve no braço para chamar a sua atenção. Anny virou-se impacientemente e ficou a espera das palavras, provavelmente de desculpa que sairiam da sua boca. Esperou mas não veio nada. Por um momento ele abriu a boca como que para dizer algo mas depois ficou apenas ali parado e mudo. Levantou mais uma vez ambas as mãos no gesto de: não fui eu, depois virou-se e foi embora.
     Idiota.
     Anny chegou a casa e nem reparou que o sol finalmente aparecera um pouco puxando as nuvens cinzentas para longe.